Alguns minutos para pensar um par de artistas – de qualquer área – que,
sendo bem distintos, tenham igual importância para mim e quem dê igual valor. Pensei alguns:
Jane Austen, Tolstoi
Cézanne, Vermeer
Wagner, Chopin
John Ford, Hitchcock
Beethoven, Bach
Turner, Velázquez
Kertez, Gustave Le Gray
Fico com o primeiro dos pares. Não diria que corresponde ao meu primeiro
amor na arte, mas é aproximadamente isso, pois foi aquele que mais depressa
adquiri e estudei: a literatura. De muitos e muitos autores lidos há dois que
nunca me saem da cabeça, dois cujas personagens me acompanham desde sempre,
dois cujas situações e lições de vida me apontam caminhos, me fazem rir, me
comovem, me irritam, me enchem de sabedoria.
Regresso sempre a Jane Austen e a Tolstoi (a quem não coloco o primeiro
nome, porque nunca sei se devo escrever Lev, Leo, Leon tantas são as versões
que encontro).
Quando me perguntam qual dos dois escolheria (questão que já me coloquei
várias vezes) responderia Tolstoi, pela simples razão de que escreveu mais
páginas – a quantidade é um motivo que desde logo se impõe. Pensar que o prazer
de o ler duraria mais, em termos estritamente quantitativos e/ou temporais, do
que prazer de ler Jane Austen.
Esta é a resposta mais imediata, mais simples e mais simplista. Mas
acredito descobrir outros motivos para essa escolha. Jane Austen conhece o
‘modo de funcionar’ das pessoas, Tolstoi conhece-lhes a alma. Jane Austen faz
belíssimas caricaturas, adivinha intenções, e usa a ironia de uma forma fina e
única, provocando algum distanciamento que invariavelmente interpela a nossa
inteligência, obrigando-nos a ver para lá o que aparentemente percebemos. Tolstoi,
no entanto é Rembrandt ou Velázquez nos seus retratos, olha as suas personagens
(e olha-nos a nós através delas) de frente: olhos nos olhos. Expõe as suas
fraquezas, as suas grandezas as suas contradições – expõe a alma de cada
personagem (e obriga-nos a perguntarmo-nos se algumas a terão) nas suas plenitudes,
nas suas contradições, nos seus vazios, (ou no soar oco daqueles que não a
terão). Não há distanciamento, há proximidade, há intimidade, há confronto, (um
não existe sem o outro) tantas vezes consigo próprio. Em Tolstoi a ironia é sobretudo
ontológica, tem a ver com o ser. Em Austen ela é maioritariamente cognitiva ela
permeia a narrativa, as acções, as intenções, os diálogos das personagens.
Ler Austen é sempre um prazer, e um desafio
perceber a ironia das teias que ligam a acção: há diálogos memoráveis e
deliciosos que quase conheço de cor de tão inteligentes e visionários. Ler
Tolstoi é um desafio: às vezes um cavalo à solta no prado, outras vezes é
árido, ou complicado, os diálogos nunca são simples, as personagens debatem-se
hora a hora. Os romances, novelas ou contos são muitas vezes palavrosos, ou empolgantes, ou chatos, mas quantas vezes não senti ao
lê-los o passar das horas? O prazer pode não ser tão imediato, mas somos
amplamente recompensados: ganhamos em densidade e em doses massivas de
humanidade.
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