Continuando
a ler o Perfil do Canal Antena2, vejo mais outro parágrafo que capta a minha
atenção.
“As pérolas
da música negra norte-americana, os compositores portugueses, a arte de bem
falar e bem escrever em Português. Programas históricos extraídos dos arquivos
da rádio pública, acompanhando a edição livreira, lembrando personalidades
culturais influentes do passado e do nosso tempo.”
“As pérolas
da música negra” é coisa fina. As pérolas ficam sempre bem sobre o negro, não
vou contradizer, e a expressão poderia iluminar qualquer tentativa de expressão
poética. O que me intriga é como se passa desse universo nacarado negro norte-americano para os compositores portugueses (diamantes? rubis, âmbar?) e deles
para a arte de bem falar e escrever português. Ou é uma mera lista aleatória, ou
só pode ser um raciocínio de génio, pois eu não o sigo.
Mas o que
tenho seguido, infelizmente, é uma coisa a que chamam Palavras de Bolso que me consegue pôr num
estado de – fosse eu um grande felino – investir e atacar sem piedade.
Num canal
que se define primeiramente como um canal que divulga música erudita (ver post
(1) e (2) onde já abordei isso), onde está o cabimento de querem ensinar-nos a
falar? E a que propósito nos contam ladainhas infantilizantes (se fossem
infantis era só mau, assim é bem pior) entre programas de música erudita?
Há uns dias ouvia
Jonas Kaufmann em várias peças de registos diferentes num programa interessante
dedicado a ele, quando de repente oiço Palavras de Bolso e, para meu horror, oiço uma história
qualquer para crianças em que se explicam palavras com trava-línguas e se
contam histórias com vozes de quem fala para crianças. Num outro dia liguei o rádio e ouvi algo sobre casamenteiras
(Quem quer casar com a Carochinha), um texto qualquer de um autor de grande
mérito não duvido, mas preferia não ser tratada como criança muito menos com
pateta ou retardada. Sobretudo porque uns momentos depois ouvia um programa bei
feito sobre música de ‘Adeus’, assim o autor dizia, com excertos belíssimos de
Stravinsky, um Stabat Mater de um compositor polaco cujo nome já não recordo,
entre outros.
Percebi que
estes programas, Palavras de Bolso, são iniciativa da PROL, Programa de Literacia Emergente. Só o nome "literacia emergente" é todo um
programa que deixarei de lado. No entanto não há nada como ir ver ao site o que eles dizem, e dizem logo
na primeira frase:
“É uma oferta educativa curricular,
consistente e fiável ao nível da linguagem, literacia precoce e educação
literária, destinada a crianças integradas em creches e jardins de infância, do
ensino público e privado.”
Dizem o que
são, qual o público alvo, e quais os objectivos (deviam ser eles a fazer o
Perfil do Canal Antena2, a quem faz falta um pouco de literacia emergente ou não).
O que me
intriga é o que é que isto tem a ver com a Antena2 que divulga sobretudo “música
erudita” (para além das outras áreas do mundo da arte e do conhecimento em
geral, de que já falei e que não se percebe bem o que é, mas adiante...).
Presume-se que quem ouve música erudita, é minimamente erudito – pelo menos já frequentou
a escola o primeiro e essencial passo para se aspirar a esses mínimos de erudição, pois normalmente um erudito será senhor de níveis de literacia acima da média. Assim sendo, não precisa de um programa “consistente e fiável ao nível da linguagem,
literacia precoce e educação literária", muito menos "destinada a crianças”. A erudição vem também com o tempo que passa e que se vive e aprende (não há nisso precocidade) o que quer dizer que para se ser erudito (minimamente) e, neste caso, apreciador/consumidor
de música erudita, ter-se-á que ser adulto. Por isso a imposição destes programas de Literacia Emergente aos ouvintes da Antena2 é um atentado à inteligência de quem assim decidiu.
Infelizmente
parece que a Antena2 é um saco de gatos cognitivo, e a viver em plena crise
existencial. Cada ano que passa degrada-se um pouco mais. Hoje não se sabe exactamente o que é, a quem de dirige, e que rumo deve
ter. É de lamentar que em Portugal não haja um serviço público que nos ofereça
um (só um) canal de rádio que divulgue música erudita e que assuma claramente
dirigir-se a um público (erudito) que gosta e consome esse tipo de música.
Também poderia, secundariamente, ter outras pequenas rubricas mais curtas de índole
cultural de outras áreas quer a nível da divulgação, bem com entrevistas a
autores, críticos, ou outros, mas sempre sem comprometer a identidade do canal,
e sem cedências tontas ao politicamente correcto.
Assim temos
uma Antena2 hibrida que não é nada, e que na tentativa de ser essencialmente
uma coisa, mas ter uma importante componente de outra, e ser mais isto e mais
aquilo, não serve ninguém. Eu devo ser um dos poucos dígitos de audiências que mantém, e só por falta de escolha e incapacidade (falta de vontade) minha de organizar
música para ouvir nos trajectos de carro.
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