14/12/2016

The Young Pope

Pergunto-me vezes sem conta que fascínio é esse que a Igreja Católica exerce sobre tantos ‘católicos’ que nunca perdem uma oportunidade em se mostrar distantes face ao catolicismo, declarando-se agnósticos, ateus, ou exprimindo reservas e algum – tantas vezes descontrolado - anti-clericalismo.


Chamo ‘católicos’ assim e com aspas aos cidadãos do ocidente – normalmente europeus – que beberam o fundo cultural de séculos de cristianismo e de catolicismo. O ‘católicos’ com aspas, não é pejorativo, é sim uma constatação. Na pior, mas tão frequente, das hipóteses, estão sempre “contra” a Igreja Católica, contra as posições da Igreja Católica, contra os dogmas da Igreja Católica, contra aquilo que acreditam serem os ensinamentos da Igreja Católica, contra o clero em geral e os Papas, os Bispos, as Igrejas, os párocos, os católicos em particular. Às vezes – na sua infinita abertura concedem algumas excepções. Aliás hoje é com um grande à vontade que, na nossa sociedade ocidental, a que bebeu os chamados ‘valores universais’ ao catolicismo, a da igualdade, da democracia, vive-se na total ignorância sobre o catolicismo e dizem-se com um à vontade que já não surpreende ninguém as maiores barbaridades sobre o Catolicismo.

Não se lê a Bíblia para começar e, especificamente em relação à Igreja Católica, não se lê nem se consulta o catecismo, nem mesmo se leem as Encíclicas Papais, obras que são absolutamente ignoradas pelo mainstream pensante. Assim facilmente se percebe que a ignorância impere, mas verdade seja dita, nunca a ignorância foi impeditiva de seja o que for - nomeadamente expressar opiniões, veicular falsidades, e fazer filmes ou séries, escrever livros, com o Vaticano como pano de fundo e os Papas, Cardeais, Bispos como personagens principais.

O fascínio que esse mundo exerce é inegável e tem corpo em The Young Pope, uma série de Paolo Sorrentino (protagonizada por Jude Law) que tem tido boa publicidade e aceitação onde quer que tenha passado. Não sou eu que vou apontar o dedo à série: impecável como exercício formal - até diria mais, é fascinante o cuidado em cada detalhe, seja a fotografia, a edição, a música, o jogo de actores, a ironia, ou os diálogos e silêncios. É mordaz na crítica subjacente e na forma como expõe a hipocrisia e os jogos de poder que sempre existem onde quer que seres humanos se organizem - a Igreja Católica não é diferente nisso. Jude Law revela-se um actor melhor do que alguma vez acreditámos que fosse, e a sua personagem tem modulações e camadas que nos prendem ao écrã. Mas no meio de tanta perfeição formal eu sinto que falta ‘alma’ à série. Os diálogos são inteligentes e sugestivos, mas falta humanidade, o que dá uma aspereza e uma frieza que incomodam. Nem as séries de gangsters (li algures que Sorrentino se inspirou nas séries True Detective e Fargo) há tanta frieza. Há mais sangue sim, mas não tanta displicência e frieza, como nesta série em que o Papa assume que se ama a si mais do que a Deus, e que se ama a si mais do que ao próximo. Aliás ele diz que é demasiado cobarde para amar o outro, e generaliza dizendo que os padres são os maiores cobardes pois incapazes de amar o outro. Esta falta de amor ‘Caritas’ é em tudo contrária ao que se espera do homem que lidera a Igreja Católica.


E esta é a questão que me coloco: como é possível escrever, falar, fazer filmes ou séries sobre um Papa, sobre o Vaticano, sobre a Igreja Católica com Deus como grande ausente? Quando falo em Deus falo também como é óbvio do que mexe com o católico, com o catolicismo: a Fé, a Esperança e a Caridade, (que para S. Paulo é a maior (1Cor, 13) das três). Sem Deus, sem Fé, sem Esperança, sem Caridade, mas com muito espetáculo, temos então e apenas um mero exercício (um bom exercício) de voyeurismo feito por ‘outsiders’, à medida de outsiders. Mas ‘aquilo’ não é a Igreja Católica. Há muito mais pecado e salvação, os grandes ausentes da série.

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