05/02/2017

It Is Yours. Coisas Que Não Mudam

The Crown é uma série que devia ser de visionamento obrigatório. Falo da série, e do que nela vejo e oiço, e não da família real concreta, obviamente. Deixo esse aspecto para as revistas da especialidade.


Visionamento obrigatório porque nela (série) se fala de uma dimensão bem diferente daqueles a que estamos habituados e pois pouco apreciada e valorizada num mundo de gratificação imediata, ou da chamada busca da felicidade. Percebemos estar num patamar em que valores que consideramos fundamentais não cabem. Por exemplo, a nossa noção de liberdade que passa sobretudo por ‘fazer o que se quer’, ou por mudar de opinião e mudar os nossos valores. Fala-se de honrar e respeitar os compromissos, mas não só os que escolhemos, sobretudo aqueles que nos foram ‘impostos', algo absolutamente radical ou obsoleto dependendo do ponto de vista de um espírito como o nosso, na segunda década do séc. XXI e sempre de telemóvel na mão. 

A dimensão desse compromisso pode ser medida neste pequeno diálogo em que a rainha lembra a coroação do pai e os ensaios em que o ajudou, ouvindo também a explicação do significado dos gestos e das palavras a ensaiar para esse dia: "Is Your Majesty willing to take the oath?" “I am willing”. "Will you maintain and preserve Inviolably”. “It means to make a promise you can you can never break” explica o Rei à filha. Claro que esta ênfase à inviolabilidade do compromisso é dada pela marca amarga deixada pela abdicação de Eduardo VIII, e pelo desprezo com que esse gesto (deixar a responsabilidade, mudar de vida, recomeçar do zero, seja qual for a leitura que se queira ter) e o próprio Duque de Windsor são olhados pela Crown. 

Porque The Crown é não só o peso da responsabilidade e do compromisso – de alguma forma como a Cruz (de Cristo) – de uma monarca e que envolve uma família, numa dimensão quase metafísica, como é o peso de uma tradição, o que se espera dessa monarca, algo que tem séculos e séculos e que está para além de cada reinado, como é também a estrutura que apoia essa tradição: o gabinete, o staff, que não são meras escolhas pessoais, e que têm um peso importante, no rolhar bem oleado dessa máquina. 

O monarca é aquele que menos pode escapar a essa Crown, e nesse sentido é o menos livre. Quando a já rainha ensaia a sua coroação fica surpreendida com o peso da coroa e percebe que precisa de ensaiar e pergunta: “Can I borrow it? For a couple of days, just to practice?” para ouvir como resposta “But borrow from whom? It is yours”, o que mais não é do que a evidência do compromisso, da impossibilidade de escapar a esse peso. A coroa é dela, a coroa é ela. 

(Continua)

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